Arcadas da Santa Casa de Misericórdia |
- Você acha que é uma boa idéia estar em Salvador nessa época? Chove muito!
- Chove o bastante. São chuvas esparsas, de gotas densas, que, após satisfazer os caprichos da natureza, tornam o céu azul e límpido e a luminosidade ainda mais intensa. É uma beleza só! Tudo brilha por todo lado!
- Mas aí já não tem mais sentido voltar à praia para, depois, ter que sair novamente correndo para abrigar-se da chuva.
- Que bobagem! Aprenda a ser paciente, a apreciar a beleza desta estação climática que é perfeita, pois o sol já não nos martiriza mais com os seus raios escaldantes, a temperatura é amena e a cidade parece abençoada e disponível com todos os seus encantos.
Inspiração e arte no gradil da edificação |
- Mas e a sujeira? Os próprios habitantes, soteropolitanos, afirmam que a cidade está suja e o centro histórico decadente e perigoso.
- Nada disso! É pura desinformação e preconceito. Ignorância! Ao passear pelas ruelas, becos e vias sinuosas e insinuantes, você vai ficando maravilhado com os detalhes, com a magnificência das edificações, embora às vezes vítimas da decadência cultural e intelectual baiana. Porém, mesmo no esquecimento, formam um conjunto arquitetônico que emociona os mais sensíveis, sedentos por um Brasil mais elegante, histórico e cultural.
- Volto a pensar neste tempo chuvoso. O que vocês fizeram nesses dias, enquanto por todo o Brasil se festejava o 7 de Setembro?
- Tivemos o privilégio de ser acolhidos na charmosa Pousada do Pilar. Chão forrado com ladrilhos hidráulicos, pilares de ferros adornados, pé direito alto, quartos elegantes com decoração simples e funcional, além de um atendimento impecável que o faz sentir-se em casa.
- Vocês ficaram o tempo todo no hotel? Com as chuvas...
- A água é um tesouro, meu amigo! Desconsiderando a sua ironia e dando seqüência ao meu relato: caminhamos até o Elevador Lacerda, fizemos um passeio pelas peças artesanais, esculturas e pinturas expostas nas bancas do Mercado Modelo, e ficamos admirando o Forte São Marcelo e os cargueiros imponentes que se locomoviam no horizonte marinho, enquanto sorvíamos uma cerveja em um dos restaurantes do primeiro andar.
A melhor praia de Salvador tem história |
- Choveu?
- Choveu sim, seu chato! O cenário, belíssimo, exibia nuvens espessas com pinceladas acinzentadas, que anunciavam chuvas em diferentes pontos do vasto céu baiano. Com a rápida estiada, tomamos uma condução e seguimos para o Forte de Monte Serrat, construído em 1583.
- O que fizeram por lá?
- É reconfortante! Encomendamos um arrumadinho – feijão de corda, carne seca desfiada, farofa e vinagrete – e tivemos mais uma vez a impressão de estar imersos naquela adorável e simples capital baiana. Salvador fascina tanto os seus visitantes quanto é menosprezada pelos seus habitantes. Caminhamos mais um pouquinho até o Forte São Diogo
Forte de São Diogo na praia da Boa Viagem |
– construção do século 16 – e decidimos pisar nas areias suaves da praia da Boa Viagem, bairro singelo e pouco visitado por turistas e outros forasteiros.
- E no dia seguinte?
- Continuamos buscando as minúcias e os atrativos pitorescos dos casarios sombrios, esquecidos, melancólicos e maravilhosos. Saímos fotografando: cães debruçados no parapeito de janelões, paredes descascadas, com cores suaves que ressaltam a força do passado...
A delicadeza dos tons esmaecidos pelo passar dos tempos |
- Para mim, a Bahia me remete à descoberta do Brasil. Vou ler para você um trecho da carta de Pero Vaz de Caminha, onde ele relata sua chegada a terras desconhecidas, Ilha de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz, hoje Bahia de todos os brasileiros.
“Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão de ir ouvir missa e pregação naquele ilhéu. Mandou a todos os capitães que se aprestassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou naquele ilhéu armar um esperável, e dentro dele um altar mui bem corregido. E ali com todos nós outros fez dizer missa, a qual foi dita pelo padre frei Henrique, em voz entoada, e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes, que todos eram ali. A qual nisso, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção”.
Habitantes inofensivos do centro histórico |
- No livro de Jaime Cortesão – Obras Completas da Imprensa Nacional
– da Casa da Moeda, de Portugal, também dizem o que segue: “Verdadeiramente, é na Carta de Caminha que alvorece o conceito do Novo Mundo”. “Não se esqueça que o primeiro nome, terra de Vera Cruz, posto por Cabral, se liga mais a expressão Terra firme
– como era de uso designar os continentes, do que uma ilha, no significado actual”.
Descuido para com o patrimônio soteropolitano |
- Aonde você quer chegar?
- A Bahia não é africana, a Bahia é brasileira. O baiano é um ser do Novo Mundo. A miscigenação, o aporte português aos costumes assimilados dos negros africanos e indígenas brasileiros resultou em um ser especial, naturalmente alegre e cativante. A maioria da população mestiça é cheia de alegria e tem alma artística, forte, contra a posição da elite dominante, essa sim arrogante, alheia aos costumes da terra ao dar as costas ao seu universo arquitetônico, ao seu povo e à sua cultura.
- Mas o que tudo isso tem a ver com os seus três dias de descanso em Salvador?
Guardiões do Pelourinho e um futuro editor |
- Salvador me repousa o espírito. Faz-me sentir mais brasileiro, mais português, bastante africano e, sobretudo, partícipe no universo, nas entranhas e no âmago do útero de uma nação desleixada, porém cativante, chamada Brasil. A Bahia é o berço da nação brasileira! Em 21 de abril de 1500...
- Calma, você já leu...
Siga o Varginha Online no Facebook, Twitter