Coluna | Seu Direito
Dra. Christiane Reyder
Advogada, Consultora e Mentora em proteção de dados. Mestre e Doutoranda em Direito pela Univ. Lisboa.
Perfil no Instagram: @chrisreyder_protecaodedados
Threads – nova rede social desafia a LGPD e o Código de Defesa do Consumidor
15/07/2023


Christiane Reyder

O Threads, a nova rede social da Meta, foi lançada no dia 06/07/2023, exceto na União Europeia, devido a preocupações da própria empresa, relativas a privacidade e proteção de dados pessoais.

O modelo da plataforma, conforme está desenhado, ignora a legislação brasileira de proteção de dados e de defesa do consumidor, mostrando-se potencialmente abusivo na relação com o usuário.

Merece destaque a parte da política de privacidade que diz respeito à interação do perfil do usuário com serviços de terceiros.

A conta Thread de um usuário se conecta com pessoas fora do aplicativo e com o conteúdo produzido por elas, permitindo que o usuário siga estas pessoas e seja seguido por elas, interagindo com o conteúdo delas e vice-versa. Neste protocolo de interoperabilidade, o Instagram coleta as informações pessoais e de conteúdos destas pessoas de fora do Threads, assim como disponibiliza, para o serviço terceiro que elas utilizam, informações sobre o usuário, os seus conteúdos e o seu modo de interação. 

Informa a Meta que as informações compartilhadas com terceiros dependerão da atividade do usuário e incluirão seus dados de perfil (como nome de usuário, nome, foto do perfil e biografia), podendo incluir o conteúdo do comentário, da interação ou da publicação, além fotos ou vídeos, bem como metadados associados à sua interação, como endereço IP e o registro de data e hora da interação.

A política de privacidade deixa claro que, ao compartilhar as informações do usuário com o serviço terceiro, a Meta não tem mais controle sobre elas, de modo que o usuário do Threads fica sujeito à política de uso dos dados deste serviço terceiro. 

Chama a atenção o desenho da plataforma, que é criada como parte do Instagram, com inegável propósito de utilizar as informações já existentes e facilitar a associação e o cruzamento de dados numa escala ainda maior. Tal pretensão e os seus efeitos deveriam ser informados previamente ao usuário com clareza, como forma de observar a lealdade e a transparência no tratamento dos dados pessoais.

Ao promover a integração das plataformas na origem, criou-se uma forma de inviabilizar a exclusão do perfil do Threads, sem que o usuário tenha que excluir também a sua conta do Instagram. Diz a política de privacidade:

“Você pode desativar seu perfil do Threads a qualquer momento, mas ele só poderá ser excluído por meio da exclusão da sua conta do Instagram.” 

Assim, os dados e conteúdos permanecerão armazenados pela Meta, lembrando que ela terá coletado também informações pessoais e de conteúdo de terceiros, fora do Threads, com os quais o usuário tiver interagido.

A vinculação necessária e indissociável entre as duas plataformas, com compartilhamento massivo de dados entre elas, deveria ser informada ao usuário antes da instalação do Threads, ou ser uma opção. O desenho da nova plataforma força indiretamente a manutenção do perfil do usuário no Threads, ainda que desativado, com os seus dados à disposição da Meta. Afinal, sendo a conta do Instagram já consolidada, antiga, muitas vezes de uso profissional, para não ter de excluí-la, o usuário acabará por manter o perfil do Threads.

O serviço assim concebido toma um contorno que se mostra abusivo à luz do Código de Defesa do Consumidor, por condicionar a continuação da prestação de um serviço à manutenção de outro, aproveitando-se do desconhecimento ou vulnerabilidade do usuário, colocando no mercado um serviço em desacordo com normas legais e regulatórias específicas, mediante um negócio jurídico que implica em renúncia de direitos por parte do usuário e vantagens excessivas para a Meta, transparecendo haver um aproveitamento da uma posição privilegiada, numa relação jurídica marcada pelo desequilíbrio entre as partes.

O estabelecimento do equilíbrio nesta relação está na base da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei nº 13.709/2018), que busca assegurá-lo através da imposição de determinados deveres ao agente de tratamento de dados, dentre eles os decorrentes dos princípios da lealdade (boa fé) e da transparência, além da proporcionalidade. 

O modelo desenhado para o Threads mostra não ter incluído, na sua concepção, a exigência legal de privacy by design, que impõe que todo novo produto ou serviço inclua a privacidade já no seu conceito, considerando-a desde a criação. O armazenamento é uma operação de tratamento de dados e a manutenção [forçada] dos dados do Threads dependeria de uma base legal diversa do consentimento do usuário, porque este não seria válido, já que não há liberdade de escolha.

Dentre vários outros aspectos, ao não informar previamente o usuário, de forma destacada, da vinculação permanente do perfil do Threads à conta do Instagram, cria-se para a plataforma uma desvantagem exagerada, repelida tanto pela LGPD, quanto pelo Código de Defesa do Consumidor.

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD informou ter iniciado análise acerca da recomendação de instauração de um processo fiscalizatório do Threads.

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