Uma empresa de comércio de alimentos foi condenada por violar os direitos de personalidade de uma trabalhadora, ao exigir a apresentação de determinados dados pessoais no processo de admissão, conforme divulgou o TRT-2ª Região (SP) .
A trabalhadora havia se candidatado para a vaga de operadora de loja. Uma vez aprovada, ao ser orientada a apresentar os documentos para admissão, foram solicitados um exame de gravidez e uma certidão de antecedentes criminais.
Quanto à certidão de antecedentes criminais, o TST fixou a tese para a sua admissão, no julgamento do Incidente de Recurso Repetitivo nº IRR-243000-58.2013.5.13.0023. Ela pode ser exigida quando houver previsão legal ou em razão da natureza do serviço ou do grau especial de confiança exigido, como para empregados domésticos, cuidadores de menores, idosos e pessoas com deficiência, em creches, asilos ou instituições afins, motoristas rodoviários de carga, empregados da agroindústria no manejo de ferramentas perfurocortantes, bancários e afins, para trabalho com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas ou com informações sigilosas. Fora destas hipóteses, a exigência causa dano moral presumido, independentemente do empregado ter sido admitido.
A exigência do exame de gravidez, por outro lado, suscita algumas observações. Um exame que revele o estado positivo ou negativo de gravidez de uma mulher revela um aspecto da sua saúde naquele momento. Trata-se portanto de um dado relativo à saúde de uma pessoa identificada, inserindo-se na definição de dado sensível da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei nº 13.709/2018).
Sabe-se que a LGPD institui uma série de normas e padrões para o tratamento de informações de pessoas naturais, constituindo tratamento de dados tanto a coleta e o armazenamento, como a avaliação da informação para tomada de decisão. Em se tratando de dados sensíveis, como é o caso de dados relativos à saúde, as regras são mais estritas e são maiores as exigências para a proteção dos direitos dos titulares.
As operações de tratamento de dados só podem ocorrer se fundadas em alguma das hipóteses elencadas na LGPD, encontrando-se no art. 11 aquelas que autorizam o tratamento dos dados pessoais sensíveis.
Em princípio, os dados sensíveis exigem o consentimento do seu titular para serem tratados. Sem o consentimento, o tratamento somente pode acontecer se for demonstrada a sua indispensabilidade para alguma das outras hipóteses listadas no inciso II do art. 11 da LGPD.
Para os dados sensíveis, não há previsão das hipóteses legais de necessidade para execução de contrato, nem para atender a legítimo interesse do responsável pelo tratamento (controlador) ou de terceiro, como ocorre para os dados comuns. Logo, o contrato de trabalho não serve de fundamento para a coleta e o armazenamento de dados sensíveis, como os de saúde.
Outros exames admissionais podem ser tratados com base na necessidade de cumprimento do dever legal do empregador de providenciar e guardar os resultados destes exames. Trata-se de exames clínicos, físicos e mentais, que têm o objetivo de identificar a aptidão do candidato para desenvolver as atividades da função para a qual será contratado. O exame de gravidez aí não se enquadra.
Além disso, o tratamento de dados pessoais deve observar vários princípios, dentre eles o da não-discriminação, que veda o tratamento de informações pessoais com fins discriminatórios ilícitos ou abusivos. A finalidade por trás do pedido do exame de gravidez é justamente preterir a mulher gestante, em favor de outro candidato.
Tudo aqui mencionado é aplicável a todos os dados pessoais definidos pela LGPD como sensíveis: dados relativos a origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicado ou organização religiosa, filosófica ou política, à saúde, à vida sexual, dado genético ou biométrico.
No caso do exame de gravidez, a Lei nº 9029/1995 veda a sua exigência para efeitos admissionais ou de permanência no emprego, tipificando como crime.
Além da esfera criminal, e do já exposto acima, a exigência do exame de gravidez também viola a LGPD quanto aos princípios da boa fé e da finalidade, posto não ser esta legítima, representando infração administrativa.
A imposição ilegítima de apresentação deste dado pessoal ainda fere o direito fundamental constitucional à proteção de dados, que visa a proteger a pessoa humana nas diversas dimensões da sua personalidade, sendo a conduta passível de condenação judicial ao pagamento de indenização por danos morais.