21 horas.
O céu plúmbeo prenunciava um aguaceiro que acabou não ocorrendo, mas o vento suave que soprava do sudoeste acariciava-me o rosto e insuflava-me o ego. Estava feliz por voltar ao Brasil. "Meu" Brasil de tantas recordações e tantas histórias vividas e sonhadas.
Dois dias antes, no início de uma tarde modorrenta, embarcara em Natal, Rio Grande do Norte, no voo da Varig para Fortaleza, a badalada capital do Ceará. A viagem havia sido tranquila e, de meu privilegiado posto de observação, junto à janela, contemplara maravilhado as belíssimas praias cearenses com suas águas transparentes refletindo variadas tonalidades de verde e suas intermináveis dunas entre tecendo texturas tão inusitadas quanto belas.
Meus vizinhos de assento na aeronave - um dançarino mineiro, negro, e seu acompanhante alemão, um estudioso de música clássica - também vibravam diante da perspectiva de dias ensolarados e jubilosos no Ceará. A chegada ao bonito e remodelado aeroporto da capital cearense e a festiva recepção dos visitantes só fizeram aumentar o entusiasmo de todos que ali desembarcavam. Os anfitriões, competentes em seu mister, incentivavam ainda mais os recém-chegados a conhecer os encantos da paradisíaca Fortaleza.
Ao sair do aeroporto, em direção ao hotel, a sensação - passados quase trinta anos desde a visita anterior à cidade -. era de que as ruas haviam sido recapeadas e de que a infraestrutura turística havia ganho volume e qualidade. Em poucos minutos, o taxista, que se utilizara de um atalho para desviar do trânsito pesado, deixou-me na porta do Hotel Ibis, onde me hospedaria.
Uma vez instalado, pude divisar, do nono andar onde ficava meu apartamento, uma bela paisagem da Praia de Iracema, com suas esculturas imitando jangadas e seu imponente mar azul.
Rapidamente vesti minha roupa de banho, no afã de aproveitar ao máximo minha estada na cidade e os últimos raios de sol daquele dia deslumbrante.
Chegando à praia, no entanto, a primeira visão que tive foi impactante: fios de arame farpado na areia, blocos de cimento e pedaços de tijolos denunciavam a execução de obras públicas, provavelmente de recuperação, em larga extensão da orla fortalezense. Ainda que sob o choque daquela primeira surpresa, decidi não me abalar e parti, decidido, em direção à decantada e louvada Avenida Beira-Mar. Mal pude crer no que se deparou diante dos olhos! Quiosques semidestruídos, garrafas plásticas vazias, copos descartáveis e sacos de lixo misturavam-se a cadeiras de plástico injetado, dessas que os bares e restaurantes da orla costumam espalhar pro toda parte onde haja espaço nos calçadões e na areia para "conforto" de seus fregueses. Toda essa mixórdia acompanhada de insuportável poluição sonora provocada por aparelhos de som em altíssimo volume e televisores sintonizados no indefectível Domingão do Faustão.
Para completar a cena dantesca, o esgoto e a água usada dos estabelecimentos corriam a céu aberto, e diversos carros equipados com imensas caixas de som - qual, trios-elétricos "individuais" - disputavam a supremacia de seu repertório musical, mais pelos decibéis do que pela qualidade da trilha sonora. Portas laterais e traseiras abertas, os carros transformavam-se em insuspeitadas e insuportáveis máquinas de barulho, numa diabólica mistura de rap, funk, pagode e o execrável axé.
Diante daquele ambiente irrespirável, decidi procurar um lugar para comer algo. Dirigi-me, então, a uma pizzaria que, em princípio, me pareceu bem montada e com bom serviço. Ali fiquei aguardando por quase quarenta minutos, sem que uma criatura sequer do estabelecimento se interessasse pela minha pessoa. E enquanto aguardava a boa vontade dos garçons, tive que, novamente, suportar o programa do Faustão que, agora, apresentava a "inolvidável" performance de uma senhora que tocava música com as narinas. E, o que era pior, para gáudio dos funcionários e atendentes do restaurante, fascinados talvez pelo alto teor cultural e artístico da grotesca cena.
Persistente, decidi que até então tivera apenas alguma má sorte e logo quis desfazer essa impressão negativa inicial. Dirigi-me, então, ao Dragão do Mar, centro cultural famoso e muito elogiado pela mídia local e de vários cantos do Brasil. Ali, finalmente, pude encontrar um oásis em meio às hordas barulhentas e ao insuportável cheiro de urina das redondezas. "Amanhã", pensei, "irei à Praia do Futuro e reencontrarei a Fortaleza que conheci outrora, a bela e doce dama dos anos setenta". Como estava enganado!
No dia seguinte, antes mesmo de me dirigir à praia, dei uma rápida volta pelo centro da cidade, o que só confirmou que eu estava tendo um pesadelo ou participando de um filme de terror. Vi edifícios e construções históricas abandonadas, deterioradas... o passado da cidade estava ruindo pelo provável descaso das autoridades responsáveis por sua preservação.
Ao chegar à Praia do Futuro, o filme de terror no qual me sentia mergulhado atingiu seu climax de espanto. Montes de lixo e uma profusão de cadeiras abandonadas à espera de prováveis fregueses maculavam a beleza da praia, e o contraste dos imóveis de luxo ao lado de tamanha quantidade de detritos e de poluentes visuais fez-me sentir num improvável país de quarto mundo.
Revoltado, diante daquela sucessão de absurdos, resolvi deixar o infeliz Estado. Dirigi-me ao escritório de turismo receptivo no aeroporto e manifestei meu desencanto com a situação atual de Fortaleza, ponderando junto ao funcionário ali presente que a publicidade atualmente feita pelo órgão oficial de turismo é enganosa, já que "vende" um paraíso e entrega ao turista um inferno.
Já dentro do avião que me levaria a São Luis do Maranhão, não pude deixar de sentir um misto de frustração, indignação e tristeza pelo que presenciara. Fui, então, enquanto pensava na triste situação em que se encontra Fortaleza, assaltando por um angustiante sentimento que jamais havia experimentado: um gosto acre na boca e uma enorme vergonha de ser brasileiro...