Tenho, desde há sete anos, proferido palestras interativas em unidades carcerárias na cidade paulista de Piratininga e na capital do Estado, São Paulo. Durante as primeiras apresentações aos detentos eu me perguntava: "como é possível alguém estar trancafiado vinte e quatro horas por dia e não enlouquecer?"
No presente momento, vivo em regime "semi-aberto" por causa da pandemia Coronavírus - Covid-19.
Inicialmente, pareceu-me estranho e bizarro o que estava ocorrendo e busquei informar-me sobre o tema. À medida que conseguia dados sobre o tenebroso acontecimento, pois estava efetivamente confinado em meu apartamento (um simpático local no subsolo de um edifício dos anos 40), tinha a impressão de ter que conviver com minhas múltiplas personalidades e não sabia por onde começar: deveria convocar todos os meus "eus" para chegar a um consenso de como lidar com a falta de liberdade física após ter percorrido incessantemente, desde 1972, países dos cinco continentes terrestres e praticamente todas as unidades federativas brasileiras?
Acalmei-me ao enxergar na minha Biblioteca os 18 tomos da coleção "Thesouro da Juventude". Timidamente, abri as páginas de um dos livros e percebi os capítulos "O Livro dos Contos" (O Que Nos Conta o Vento - Hans Andersen e o seu Sonho de Fadas ), "O Livro do Velho Mundo" (Capitães do Antigo Império Húngaro), "O Livro das Bellas Ações" (O Escravo que salvou o seu Amo), "O Livro do Novo Mundo" (Como se fez a República no Brasil)...
Entre tantos fascinantes temas, cheguei à página 5531 do Volume XVII da Coleção e mergulhei no "Livro da Nossa Vida" (Porque Praticamos as nossas Acções)...
Lembrei-me automaticamente de meu amigo mineiro; uberabense, irmão das letras, João Eurípedes Sabino. Pensei em chamá-lo por telefone e o fiz. Quão agradável foi a minha surpresa ao ser bem recebido por este ser eloquente, inquieto, dinâmico e erudito senhor. Que prosa boa!!! Que bom havê-lo como amigo ao saber que tem como missão o estímulo à escrita, à leitura e ao conhecimento.
Despeço-me do conterrâneo, ao encerrar o diálogo por telefone, e retomo à leitura do "Sertão da Farinha Podre, Romance histórico dos primórdios", de Ernesto Rosa. Logo após reencontro, na cabeceira de minha cama, meu amigo Émile Zola, o genial autor francês, escritor e jornalista mordaz do "J' accuse!" ( Eu acuso!), positivista, e de uma lucidez apavorante na descrição da vida de seu personagem Claude (um artista impressionista ) presente no livro L'Oeuvre (A Obra) no qual nos apresenta a verdadeira personalidade do pintor Cézanne e suas angustias por não ter suas pinturas aceitas pelo Salão de Paris.
Volto ao confinamento e me libero. Me liberto através da literatura, no doce aprisionamento do universo da leitura...