Coluna | Periscópio
Wender Reis
Pedagogo e Orientador Social, curioso observador de tudo que causa espanto no mundo.
Corona vírus: para não precisar de Genki Dama
22/04/2020


Levando em conta que você tem acesso a internet e, portanto, teve acesso a este texto, muito provavelmente também deve ter assistido alguma live durante esse período de isolamento social, seja de um grande ídolo da música, seja de um músico local. Em transmissões ao vivo, realizadas geralmente de suas próprias casas, artistas cantam os seus sucessos e buscam mobilizar o público para fazer doações na intenção de amenizar os impactos da pandemia na saúde pública e na desigualdade social. 

Em Dragon Ball, anime japonês mais famoso entre nós brasileiros, seu criador, Akira Toriyama, conta a história de Goku. Sem entrar em maiores detalhes, em algumas situações extremas, Goku pede ajuda aos terráqueos para reunir energia para um poderoso ataque contra algum vilão que ameaça destruir a terra. É a Genki Dama. Em muitas situações, esse desfecho só é necessário por ignorância dos próprios terraquios que negam o perigo e até o provocam. 

No momento dramático que a humanidade vem passando, com uma crise econômica anunciada e já em curso, é importante chamar atenção para alguns valores e anti valores. 

Um valor importante que vale a pena ser discutido é a cultura de solidariedade oportunista e de cartilha. Solidariedade nunca é ruim, sendo assim, que bom que artistas estejam mobilizando seus públicos para formar redes de apoio a causas sociais. Mas vale lembrar que a melhor maneira de ser solidário é lutando por condições de igualdade. Reparem: países que tem bons índices de igualdade social, portanto, mais equilibrados, precisam menos de grandes mobilizações solidárias. Passando esse período, quem sabe esses próprios artistas não sejam mais solidários e passem a apoiar com mais intensidade projetos socioeconômicos e socioeducativos. É um sonho possível. 

Outro ponto, nessa luta contra um vilão que tem matado muita gente, todos sabemos que os nossos Guku’s são os profissionais da saúde que dependem da nossa ajuda para, inclusive, sobreviverem. Como os holofotes estão voltados para esses profissionais, é oportuno pensar a saúde pública através de suas atuações. No Brasil, a figura do médico, por exemplo, ainda está associada a uma pessoa bem sucedida, revestida de um status social elevado. Essa aura por muito tempo atraiu a maior parte dos melhores estudantes que ingressam nas universidades brasileiras. Contudo, isso contrasta com uma realidade muito desigual em relação a infraestrutura de saúde em nosso país. Não tem glamour algum trabalhar nas condições precárias que são oferecidas em muitos hospitais e postos de saúde de norte a sul do Brasil. Essa é uma realidade que certamente não está contemplada no sonho da maioria dos médicos em formação. E se vale uma provocação para essa classe, eis ela aqui: não seria hora de defender mais o nosso Sistema Único de Saúde, o SUS, enquanto classe? Bem poucos serão aqueles que vão trabalhar em hospitais como Albert Einstein em São Paulo, aliás, os que produzem um grande impacto social estão justamente nos postos e hospitais públicos. Para não me estender mais, lembro a enorme desigualdade entre os profissionais de saúde em termos de reconhecimento e valorização social, portanto, todo meu apoio a enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, famarcêuticos, técnicos e auxiliares de laboratórios, aos trabalhadores de serviços gerais dedicados aos hospitais e postos de saúde. Meu respeito e admiração. Fiquemos em casa.

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