Quarto ou sala? Dia ou noite? Cachorro ou celular? Justiça ou vingança? Parafuso ou prego? Ganhar ou conquistar? Feijão ou arroz? Honestidade ou malandragem?
Fiz estas e várias outras perguntas parecidas em sala de aula para testar, não só a preferência objetiva dos meus alunos por uma ou outra coisa, mas, principalmente, para confrontá-los com uma evidente descrença em princípios que até pouco tempo atrás julgávamos universais.
Ainda que o discurso moralista não tenha perdido espaço, a moralidade dos nossos dias é tão porosa que não sustenta valores como honestidade e justiça. Dentro de uma lógica individualista, onde tudo é relativizado, é o indivíduo que determina o que é moral e o que deixa de ser e não a sociedade. Na melhor das hipóteses, teremos uma geração menos hipócrita, que ao menos assume seus antivalores sem culpa. A grandeza de um percurso árduo por uma conquista já não cativa as novas gerações como cativou gerações passadas. E mesmo a liberdade, tão cara para nossos pais e avós, é trocada com facilidade desde que a moeda de troca seja poder sobre outras pessoas.
No olho do furacão é impossível passar intacto ao imediatismo dos adolescentes. Como professor, me preparo para encarar os estudantes colecionando jargões utilitaristas para justificar qualquer conteúdo mais reflexivo e dialógico. A intransigência maquinal, a constante busca de quantificar todas ações e relações, a necessidade de prevalecer sobre o outro a qualquer custo, essa postura cínica dos novos humanos não é, nem de longe, a causa por nossos jovens não quererem aprender mais sobre o passado, por exemplo. Querem antes o bem-estar e depois o saber. Querem antes a nota e depois as aulas. E não lhes cabe qualquer patrulhamento ou censura ética.
Olhar para eles me força a me enxergar neles. E este movimento descortina sobre mim o meu próprio cinismo arbitrário. Nós, a escola, os subestimamos, os subjugamos e não nos preparamos para receber o troco. E se hoje eles desconfiam do discurso “só a educação dá futuro”, é porque nós lhes impomos essa dúvida. Se hoje eles não fantasiam com profissões de apelo mais social, como a docência, por exemplo, é porque nós lhes negamos a esperança. Se hoje eles conhecem muito mais sobre o preço de um Porche do que o valor de um voto é porque nós lhes demos este exemplo. Se os seus heróis não se encaixam nos esteriótipos de bons exemplos é porque nós não lhes demos escolhas.
A sensação é de que estamos vivendo na dimensão avessa e que está ficando cada vez mais difícil nos desvirar.