Outubro de 2017. Início.
Vou eu distraído entre as notícias turbulentas, pensando se faz algum sentido ocupar este espaço com as miudezas pouco ou quase nada pretensiosas desta coluna. Como capturar e chamar atenção para os pormenores do despercebido, quando o mundo ao redor (e eu dentro dele) está concentrado em desvendar o abismo que cerca o próximo passo? Como assimilar a complexidade da condição humana através de suas mínimas porções, quando o mundo está desmilinguindo dia após dia?
Giro a roleta, queria falar de um assunto, mas de repente aparece outro sugando toda a minha concentração e antes mesmo de se tornar uma leitura viável para um texto, outro abismo. Análises, pronunciamentos, incertezas, descaramentos, confrontos, chacina. Qualquer esboço de parágrafo fica grotesco, soa inútil. Como este.
Quem sabe o mundo não tenha mesmo acabado nesta previsão que agendou o fim para o último setembro, como acabou em todas as outras anteriores. Talvez o que falta é a gente acreditar nisso. Quem sabe devêssemos acreditar que o mundo acabou?
Acho que estamos deixando o trem passar apenas para vê-lo descarrilhar em seguida.
E descarrila, quando caçam a arte em nome de nem sei o quê; quando em algum canto do mundo as pessoas são impedidas de exercer sua cidadania pela polícia; quando um psicopata, absurdamente armado, tenta provocar um apocalipse com as próprias mãos.
As vezes fica mais difícil me sentir íntimo deste mundo. E eu sei, não deveria chocar-me com mais nada. Estamos há tempo suficiente vivendo de assombro em assombro. Mas difícil de acostumar com este cheiro terrível que vai escapando de todos os buracos.