Quando Sérgio Mamberti era animador de estudantes na antiga AEDA (Associação dos Alunos do Dante Alighieri);quando Naum Alves de Souza era meu professor de teatro na Fundação Armando Álvares Penteado (a FAAP que se apresentava como uma faculdade de esquerda,nos idos dos anos 70); enquanto Sarah de Brito, artista plástica (ex-freirinha desgarrada no mundo do artesanato
caiçara do Litoral Paulista) buscava o seu rumo; São Paulo me acolhia assustado, amedrontado, intimidado frente ao universo desconhecido e ostil a um adolescente perdido e sem amigos...
... em 1964 havíamos descoberto a televisão em preto e branco quando nós, meninos, nos reuníamos na Casa de Dindinha, tia Maria Carlota,na outra charmosa e paulista cidade de Barretos, e ficavamos paralisados e bestificados em frente ao aparelho que prendia nossa atenção com desenhos animados e os longos e ousados beijos da atriz Rosa Maria Murtinho e seu colega de cena,Sérgio Cardoso, nos dramalhões das telenovelas de época.
- Nosso sonho?
- Conhecer São Paulo!!! Lá nos altos da Serra do Mar veríamos o Pica-Pau , em cores, e desvendaríamos os segredos da urbe que, sem sabermos o por que, nos fascinava!
... em 1966,por questões de saúde-uma de minhas irmãs , a Leninha, que sofria de lupus nossa família migrou para a Capital Paulista.
A temperatura local, quase sempre amena e com densa e alta humidade do ar, me desvendava a Terra da Garoa. Então adolescente, eu caminhava pelas ruas onde a bruma, a cerração, a garoa, o chuvisco fino e a sensação de estar isolado, literalmente sozinho, na melancólica e fascinante São Paulo, me deslumbrava.
Caminhava pelas ruas onde os casarões se impunham em Cerqueira César. Adentrava o Parque do Trianon fugindo do tédio que me causava a ironia dos alunos do Dante Alighieri ,onde eu estudava, por imposição de meus pais. Os colegas me apelidaram de "Botina" (pois eu andava calçado como um caipira) ou de "Purquê" (devido ao sotaque interiorano).
No pequeno oasis ,Parque Trianon, encravado no elegante bairro eu me desligava do meu mundo das obrigações escolares e desapareciam de meu cerébro a Professora Albanese, (a megera das matemáticas), a Professora Piera, que nos obrigava a declamar poesias de Arturo Graf -...
"La Vetta Avanti! Pochi altri passi e poi sarem sulla vetta!
avanti pur senza fretta, per mezzo agli sterpi e ai sassi..."
a Professora Hebe Reale, com seus ensinamentos de História e o Professor Pastore, de Química, que levou-me a ser, anos depois, expulso da renomada instituição de ensino.
A melancolia, a solidão de um jovem que passara a sua infância em uma fazenda e sua pré-adolescência em uma motóna e quente cidade paulista, tomava conta de meu ser e eu ora amava, ora odiava São Paulo.
O Bonde nos levava à Cidade (pois assim chamávamos o Centro Velho da já desconexa urbe), e de suas janelas eu enxergava, assustado, o porvir que já me parecia turvo.
Em 1972, aos 19 anos, rompi com São Paulo e a deixei por cerca de duas décadas para viver em Paris (a mais explêndida das capitais) e posteriormente em cidades africanas (Abidjian e Lomé) antes de aterrizar-me em Nova Iorque, na América do Norte.
São Paulo se distanciara de meu cotidiano e eu de sua alma.
"Cúpulas de São Paulo", "São Paulo a Cada Estação", "Botecos de São Paulo", "A Primeira Corrida da América do Sul", "Capitais Brasileiras", "Ocupação Cultural do Centro Histórico de São Paulo "" Monumentos Paulistanos-Memória em Praça Pública","São Paulo Corpo e Alma" ,"Memorial da América Latina","O Clube de Campo de São Paulo" "Associação Brasileira A Hebraica de São Paulo","Artistas Italianos nas Praças de São Paulo","Mesas São Paulo, Arte de Viver e Arte de Receber","História do Masp","Homens na Cozinha", "Lina Bo Bardi","Prestes Maia e as origens do Urbanismo Moderno em São Paulo","60 Anos de Harmonia","Fundação Maria Luisa e Oscar Americano". "Novo Tietê"" Dante Alighieri, 100 anos", entre outras obras culturais auxiliaram-me a conhecer e a reconhecer São Paulo após tantos anos de auto-exílio.
Mas São Paulo está maltratada, violentada, mal gerida, esquecida, desprezada e legada à própria sorte.
São Paulo pede ajuda, solicita respeito, carece de amor!
Palestras em Universidades, em Associações e Entidades, em Unidades Carcerárias, fizeram com que novos amigos fossem vindo e indo, indo e vindo: o cenógrafo Cyro Del Nero, a atriz Maria Célia Camargo que contribuiu para trazer ao Brasil os espetáculos "Jesus Cristo Super " e "Hair" (manifestações contestadoras no momento do Brasil "Ame-o ou Deixo-o"). A fotógrafa Maureen Bisiliat, o brasilianista Orlando Villas Boas, a ciclista e fotógrafa Renata Falzoni, o fotógrafo Dudu Tresca, o editor Alexandre Dorea Ribeiro, entre tantas outras almas nobres como Esmeralda Machado Borges de Brito, fizeram com que eu buscasse de forma incessante uma maneira de amar São Paulo.
Finalmente a descubro mas... onde estará o Hotel D'Italia, esquina da Rua Direita com a São Bento, onde se hospedara Antonio de Castro Alves e sua amante Eugenia Camara?
Por que sistematicamente os paulistanos e os seus habitantes vindos de fora destroem o passado da generosa, possuida e maltratada cidade?
Por que insistem em desfigurá-la e violentá-la constantemente?
Onde está a alma paulistana?
"Meu Deus! Quanta beleza nestes trilhos...
Que perfume nas doces maravilhas
Onde o vento gemeu
Que flores d'ouro pelas veigas belas!
... Foi um anjo c'oa
mão cheia de estrelas
Que na Terra as perdeu" (Antonio de Castro Alves)
São Paulo, tu ainda és bela por sua história
Elegante por seus acontecimentos
Reluzente em nossa remota memória
Destruída e violentada por tantos aborrecimentos...
São Paulo mal amada! São Paulo desprezada
São Paulo sofrida porém querida (Botina Purquê)
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