Coluna | BRASILzão
Fábio Brito
O editor e jornalista Fábio Brito é responsável pela edição e publicação de centenas de títulos voltados às realidades do Brasil. Durante anos esteve à frente de selos editoriais importantes e renomados e no presente momento impulsiona, através de consultorias específicas nas áreas editorial e cultural, os selos Bela Vista Cultural e FabioAvilaArtes. A coluna Brasilzão, inicialmente através do Jornal Correio do Sul, de Varginha, foi iniciada em 11 de julho de 2004 e tem contado com a importante parceria do Varginha Online na disponibilização de vivências de Fábio Brito por todo o Território Nacional e por países por onde perambula em suas andanças.
Na Bahia com meu filho
22/03/2016


 - Você acha que é uma boa ideia estar em Salvador nesta época? Chove muito!!!

 

- É uma boa ideia, sim. Chove o bastante. São caídas esparsas, gotas densas, que após satisfazer o fenômeno natural, deixam o céu azul, límpido e a luminosidade intensa. É uma beleza. Tudo brilha.

 

- Mas aí não tem mais sentido ir à praia e ter que sair correndo o tempo todo, ficando à mercê das tormentas.

 

- Que bobagem. Aprenda a ser paciente e a apreciar a beleza desta estação climática, quando o sol não nos martiriza com seus raios escaldantes, quando a temperatura é amena e, sobretudo, quando a cidade parece abençoada e disponível com todos os seus encantos.

 

- Mas e a sujeira? Os próprios habitantes, soteropolitanos, dizem que a cidade está suja. Que e o Centro Histórico é perigoso e está decadente...

 

- É pura desinformação e muito preconceito. Pura ignorância também. Ao passear pelas ruelas, becos e vias sinuosas e insinuantes, você vai ficando maravilhado com os detalhes e com a magnificência das edificações, embora às vezes vítimas da decadência cultural da elite intelectual baiana porém, mesmo assim, forma um conjunto arquitetônico que emociona os mais sensíveis e sedentos de um Brasil mais elegante e histórico.

 

- Vocês tiveram o privilégio de ficar alojados em uma pousada charmosa, o chão forrado de ladrilhos hidráulicos, pilares de ferro com adornos de época, quartos simples porém bem decorados e um atendimento impecável que faz sentir-se em casa, mas, provavelmente, devem ter ficado muito tempo na charmosa pousada, pois com as chuvas...

 

- A água é um tesouro, meu amigo. Mas desconsiderando a sua ironia e seguindo o meu relato: caminhamos, meu filho e eu, até o Elevador Lacerda e demos um mergulho no acervo de peças artesanais do Mercado Modelo, o equivalente do Bazaar Egípcio de Istambul. Ali ficamos sentados em uma bar do primeiro andar de onde admirávamos o Forte São Marcelo e os cargueiros que pairavam ou desfilavam nas linhas do horizonte.

 

- Choveu?

 

- Choveu sim, seu chato. O cenário, belíssimo, exibia nuvens espessas e pinceladas por um acinzentado que anunciava a presença das chuvas. Com rápidas estiadas, seguimos para o Forte de Monte Serrat. Encomendamos um arrumadinho - feijão de corda, carne seca e farofa - e degustamos a adorável e antiga Bahia com sua singela porém saborosa cozinha. Descemos caminhando até a Praia da Boa Viagem e ali nos encontramos inseridos na verdadeira Salvador onde não há turistas e a população parece feliz por encontrar-se na terra soteropolitana.

 

- E no dia seguinte sob a chuva?

 

- No dia seguinte, meu caro, continuamos buscando as minucias e atrativos pitorescos dos casarios sombrios, esquecidos, melancólicos e maravilhosos. Saímos fotografando. Cãesinhos no parapeito de uma janela, paredes descascadas com cores esmaecidas, reminiscências que ressaltavam a força do passado. A Bahia me remete à descoberta do Brasil, faz-me sonhar através do relato de Pero Vaz de Caminha ao desembarcar no Novo Mundo.

 

- Será que chovia quando Cabral chegou em Porto Seguro?

 

- Deixe-me continuar: a Bahia não é africana, a Bahia é brasileira. Americana. Sul-americana. O baiano é um ser do Novo Mundo. A miscigenação, o aporte de costumes portugueses mesclado à cultura africana resultou na criação de um ser especial, naturalmente alegre e cativante e muitas vezes irresponsáveis: o ser baiano.

 

- Mas o que tudo isso tem a ver com vossos três dias de descanso, quando você e seu filho se movimentaram sem trégua?

 

- Salvador é descanso. Salvador me repousa o espírito. Me faz sentir mais brasileiro, mais humano e partícipe do vasto universo tropical e equatorial quando estou imerso em suas entranhas e no útero da nação brasileira. A Bahia é o berço do Brasil.

 

- Pois é. Tudo isso ocorreu em setembro de 2007 quando chovia, chovia e chovia em Salvador.

 

   

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