Coluna | Novas Fronteiras
Pedro Coimbra
Natural de Lavras, 55 anos, é aposentado de Furnas Centrais Elétricas, jornalista e escritor. Fez cinema novo em Minas Gerais e foi crítico de O Estado de Minas. Autor do romance “Sonhos da Noite” e segundo colocado no Iº Concurso de Contos Pena Aymoré., prepara-se para editar a coletânea de uma poesia e alguns textos publicados na imprensa, no livro “Navio Pirata”
Todo mundo já foi traído
19/12/2004


“Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico." Esta frase define de maneira jocosa a obra de Nelson Rodrigues que nasceu na cidade do Recife, em 23 de agosto de 1912, quinto filho dos catorze do casal Maria Esther Falcão e o jornalista Mário Rodrigues. Uma família marcada pela tragédia. Seu pai, deputado e jornalista do Jornal do Recife, por problemas políticos resolve se mudar para o Rio de Janeiro, e trabalhar como redator do jornal Correio da Manhã. Em 26 de dezembro de 1929 o jornal estampa matéria, na primeira página, sobre o desquite de Sylvia e José Thibau Jr. Foi a fórmula encontrada para o diário não sair sem assunto, já que era o primeiro dia após o natal. No dia 27, pela manhã, Sylvia entra na redação da Crítica procurando por Mário Rodrigues. Não o encontrando, pede para falar com seu filho Roberto e dá-lhe um tiro no estômago. Nelson viu e ouviu aquilo tudo. Com dezessete anos e quatro meses, era a primeira cena de violência brutal que presenciava. Seu irmão faleceu no dia 29.

Tive meu primeiro contato com a obra de Nelson Rodrigues na década de 60, na casa de meu tio João Pádua, em Belo Horizonte. Aos poucos fui me apaixonando pelo texto rodriguiano e gosto principalmente de uma peça de teatro que virou mote nas ruas e que se chama “Perdoa-me por me traíres”. Trago aos leitores um dos trechos mais marcantes e não conto a história para não perder o suspense:

TIO RAUL - (Para a família que se agita) — Ninguém se meta! Ninguém diga nada! (para a cunhada, caricioso e hediondo) Pode falar, Judite! Quer dizer que você concorda conosco? Acha também que seu marido recaiu, digamos assim?

GILBERTO - Não responda, Judite!

JUDITE - Mas é evidente que está alterado... E, depois não tem cabimento: diz “Perdoa-me por me traíres”, ora veja!

Mas, o mundo virou de cabeça para baixo e a cada dia os valores vão se transmutando. Agora mesmo Renata Pitanga, bonita atriz de televisão afirma: “Todo mundo já foi traído. A diferença é que uns sabem e outros, não.” Grande verdade que fazemos questão de esconder. No tempo em que Nelson Rodrigues escrevia a traição era épica, hoje é cotidiana, corriqueira, indo da madame a serviçal. Envolve não só as relações íntimas, mas a sociedade em geral. O jogador de futebol que se transfere de clube, o cantor que abandona a gravadora, o político que deixa de lado o partido e os eleitores e a dona de casa com carinha de santa que vive na gandaia. Aliás, me respondam: ainda existem mulheres com fisionomia de santas? Ou o comum é a presença constante do diabo travestido de queridinha?

Quando Nelson Rodrigues batucava a máquina de escrever os crimes de honra eram uma constante nas delegacias de polícia. Fulano de tal enfiou seis bala em beltrano que encontrou com sua mulher. Pai desvairado matou pilantra que desonrou a virgindade da filha. Hoje quem compra uma arma não se preocupa mais com isso. Quer proteger sua propriedade, a casa, o carro. Ninguém se preocupa com o perdoa-me por me traíres, pois afinal de contas jogamos a ética e a moral na lata de lixo. O dito de Nelson Rodrigues pressupõe o amor eterno, que desapareceu de nossas vidas, no tempo do efêmero ficar. O repórter destes nossos tempos é o escritor curitibano Dalton Trevisan, com sua Mariazinha que trai o marido todos os dias, por qualquer motivo.

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