Tive meu primeiro contato com a obra de Nelson Rodrigues na década de 60, na casa de meu tio João Pádua, em Belo Horizonte. Aos poucos fui me apaixonando pelo texto rodriguiano e gosto principalmente de uma peça de teatro que virou mote nas ruas e que se chama “Perdoa-me por me traíres”. Trago aos leitores um dos trechos mais marcantes e não conto a história para não perder o suspense:
TIO RAUL - (Para a família que se agita) — Ninguém se meta! Ninguém diga nada! (para a cunhada, caricioso e hediondo) Pode falar, Judite! Quer dizer que você concorda conosco? Acha também que seu marido recaiu, digamos assim?
GILBERTO - Não responda, Judite!
JUDITE - Mas é evidente que está alterado... E, depois não tem cabimento: diz “Perdoa-me por me traíres”, ora veja!
Mas, o mundo virou de cabeça para baixo e a cada dia os valores vão se transmutando. Agora mesmo Renata Pitanga, bonita atriz de televisão afirma: “Todo mundo já foi traído. A diferença é que uns sabem e outros, não.” Grande verdade que fazemos questão de esconder. No tempo em que Nelson Rodrigues escrevia a traição era épica, hoje é cotidiana, corriqueira, indo da madame a serviçal. Envolve não só as relações íntimas, mas a sociedade em geral. O jogador de futebol que se transfere de clube, o cantor que abandona a gravadora, o político que deixa de lado o partido e os eleitores e a dona de casa com carinha de santa que vive na gandaia. Aliás, me respondam: ainda existem mulheres com fisionomia de santas? Ou o comum é a presença constante do diabo travestido de queridinha?
Quando Nelson Rodrigues batucava a máquina de escrever os crimes de honra eram uma constante nas delegacias de polícia. Fulano de tal enfiou seis bala em beltrano que encontrou com sua mulher. Pai desvairado matou pilantra que desonrou a virgindade da filha. Hoje quem compra uma arma não se preocupa mais com isso. Quer proteger sua propriedade, a casa, o carro. Ninguém se preocupa com o perdoa-me por me traíres, pois afinal de contas jogamos a ética e a moral na lata de lixo. O dito de Nelson Rodrigues pressupõe o amor eterno, que desapareceu de nossas vidas, no tempo do efêmero ficar. O repórter destes nossos tempos é o escritor curitibano Dalton Trevisan, com sua Mariazinha que trai o marido todos os dias, por qualquer motivo.
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