Os estudiosos apontam que a preocupação com os direitos do consumidor teve início após a declaração do presidente John Kennedy ao Congresso norte-americano, em 1962, onde chamou a atenção do Congresso para a necessidade de proteção do consumidor e estabeleceu quatro direitos básicos: a) direito à segurança, b) direito à informação, c) direito de escolha, e d) direito de ser ouvido(1) . Daí em diante, inúmeras leis começaram a ser editadas visando a proteção do consumidor.
No Brasil, a defesa do consumidor só se tornou efetiva após a edição do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8078 de 11 de setembro de 1990(2) . O CDC(3) brasileiro, assim como todas as normas jurídicas que tutelam a defesa do consumidor, tem como princípio básico a “vulnerabilidade” do consumidor(4) , o que significa que o consumidor é a parte mais frágil da relação de consumo.
Partindo dessa premissa, o legislador estabeleceu como direito básico do consumidor a proteção contra todas e quaisquer práticas abusivas (art. 6º, inciso IV)(5) . E mais, apontou no artigo 39 do CDC(6) , algumas práticas abusivas, entretanto, aquelas não são as únicas, pois, além delas existem outras, como é o caso do artigo 42, que trata da cobrança abusiva de dívidas.
O limite imposto ao fornecedor (lojista, instituições financeiras, profissionais liberais etc) pode ser encontrado no artigo 42, do CDC, o qual prescreve que na “cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”.
O artigo 71 do Código de Defesa do Consumidor também prescreve que é crime, punível com detenção (prisão) de três meses a um ano e multa, utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer.
Seguem alguns exemplos:
I) Ameaçar o devedor de que vai denunciá-lo a amigos; de contar para o marido ou a exposta etc (ameaçar que vai acioná-lo judicialmente ou negativá-lo não existe nenhum impedimento;
II) Coagir o devedor a praticar um ato contra sua vontade (ex. Coagir o consumidor a deixar um cheque caução ou assinar uma promissória, sob pena de não poder internar ou sair do hospital);
III)Expor o consumidor inadimplente a riscos a sua saúde ou integridade física, bem como de seus familiares, e/ou lhes causarem dor (aspecto moral). (ex. Ameaça e corte de água ou energia elétrica, caso o pagamento não seja realizado);
IV) Utilizar-se de afirmações falsas, incorretas e enganosas (leia-se como sinônimos). (ex. Cobrador da empresa que liga para o consumidor inadimplente e alega que é oficial de justiça ou advogado. outro ex. Repassar ao devedor um valor de dívida bem superior ao real, a fim de obter uma negociação melhor);
V) Expor o consumidor o ridículo. (ex.: o credor tem o direito de inserir no banco de dados informações negativas do devedor, mas não poderá deixar a exposição um cheque devolvido sem fundos, no sentido de expor às pessoas que aquele cidadão é mau pagador. Outro ex.: enviar ao devedor um envelope contendo na parte de fora a expressão (em letras garrafais) “cobrança”;
VI) Jamais ligar para o emprego do devedor e deixar recados com terceiros. (não existe nenhum impedimento do credor entrar em contato com o devedor no seu emprego, desde que a comunicação (ou cobrança) seja com o próprio devedor).
É importante esclarecer que o fornecedor tem todo direito de cobrar o consumidor inadimplente, entretanto, deverá fazê-lo com critério, sem violar os direitos do consumidor, pois ao violar esses direitos estará sujeito às penas impostas pelo próprio CDC, assim como poderá responder por danos materiais ou morais.
O fornecedor que se utilizar de métodos idôneos de cobrança nada mais faz do que exercer regularmente seu direito como credor, mas, se ao contrário i) ameaçar o consumidor devedor, ii) o expor a ridículo, iii) o coagir, iv) o expor a perigo ou v) se utilizar de afirmações falsas estará incidindo na prática abusiva prevista no artigo 42 do CDC.
Como implicações ou conseqüências dessa prática abusiva, o fornecedor poderá ser condenado a uma pena de detenção (prisão) de três meses a um ano e multa. Não pára por aí. O consumidor poderá ingressar com uma ação judicial, onde, uma vez demonstrada a existência de danos materiais ou morais, o fornecedor poderá ser condenado a pagar uma indenização. (7)
O consumidor prejudicado pode e deve buscar seus direitos, ou seja, i) poderá contratar um advogado, outorgando-lhes poderes para ingressar com uma ação na Justiça Comum ou no Juizado Especial Cível, exigindo que o fornecedor se abstenha de cometer tais práticas abusivas, bem como seja condenado ao pagamento de uma indenização, seja por danos materiais ou morais; ii) poderá ingressar com a mesma ação, sem a assistência de advogado (se o valor for inferior a 20 salários mínimos), bastando apenas procurar o setor de atermação do Juizado Especial; iii) poderá procurar o PROCON da sua cidade e pedir providências administrativas; e, por fim, iv) poderá acionar o Ministério Público (Promotor de Justiça) solicitando-lhe providências na esfera criminal.
Podemos concluir que a cobrança de dívida é um direito do fornecedor como credor, entretanto, este deverá se utilizar de critérios que apontamos como idôneos, sob pena de violar os direitos do consumidor. Violados tais direitos, o fornecedor fica sujeito às implicações do Código de Defesa do Consumidor, como a condenação a uma pena de prisão, bem como a uma pena pecuniária (em dinheiro) por danos morais e materiais.
1 - Miragem, Bruno Curso de direito do consumidor – 2. ed. rev., atual. e ampl.- ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pg. 28.
2 - É importante salientar que o Código de Defesa do Consumidor brasileiro nasceu de uma ordem constitucional por força de uma ordem constitucional [art. 5º, inciso XXXII, art. 170, inciso V, da Constituição Federal e artigo 48, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias].
3 - Código de Defesa do Consumidor.
4 -É curioso notar que o consumidor é vulnerável em diversos aspectos. Sobre o tema o professor Bruno Miragem discorre que
[a] doutrina e a jurisprudência vêm distinguindo diversas espécies de vulnerabilidade. Entre nós, é conhecida a lição de Cláudia Lima Marques que distinguiu a vulnerabilidade em três grandes espécies: vulnerabilidade técnica; vulnerabilidade jurídica; e vulnerabilidade fática. E recentemente, identifica a autora gaúcha uma quarta espécie de vulnerabilidade, a vulnerabilidade informacional.
A vulnerabilidade técnica do consumidor se dá em face da hipostese na qual o consumidor não possui conhecimentos especializados sobre o produto ou serviço que adquire ou utiliza em determinada relação de consumo.
[...]. O que determina a vulnerabilidade, neste caso, é a falta do conhecimentos específicos pelo consumidor [...].
[...].
A vulnerabilidade jurídica, a nosso ver, se dá na hipótese da falta de conhecimento, pelo consumidor, dos direitos deveres inerentes à relação de consumdo que estabelece, assim como a ausência da compreensão sobre as consequências jurídicas dos contratos que celebra.
[...].
A vulnerabilidade fática é espécie ampla, que abrange, genericamente, diversas situações concretas de reconhecimento da debilidade do consumidor. A mais comum, neste caso, é a vulnerabilidade econômica do consumidor em relação ao fonecedor. No caso, a fraqueza do consumidor situa-se justamente na falta dos mesmos meios ou do mesmo porte econômico do consumidor.[...].
5 - Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
IX - (Vetado);
X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
6 - Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;
VII - repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;
VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);
IX - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério;
IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais; (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
X - (Vetado).
X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços. (Incluído pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
XI - Dispositivo incluído pela MPV nº 1.890-67, de 22.10.1999, transformado em inciso XIII, quando da converão na Lei nº 9.870, de 23.11.1999
XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.(Incluído pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido. (Incluído pela Lei nº 9.870, de 23.11.1999)
Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.
7 - 93170593 - APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. COBRANÇA VEXATÓRIA DE DÍVIDA. ABUSO DE DIREITO. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CRITÉRIOS. MANUTENÇÃO. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. DATA DO ARBITRAMENTO DA INDENIZAÇÃO. A cobrança vexatória de dívida, com a exposição do devedor em situação constrangedora em seu local de trabalho, é fato bastante para caracterizar dano moral. Hipótese em que a prova dos autos revela que a parte autora restou submetida a cobrança de forma vexatória por preposto da parte requerida. Abuso no exercício do direito. Art. 187 do CC. Dano moral verificado. Valor da condenação (R$ 5.500,00) mantido, eis que fixado de acordo com as peculiaridades do caso concreto, além de observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e a natureza jurídica da condenação. Em se tratando a espécie de reparação por danos morais, o termo inicial para fluência dos juros se dá a partir da fixação do quantum indenizatório, é dizer, a contar do julgamento no qual foi arbitrado o valor da condenação, no caso, a data da sentença. Apelo parcialmente provido. Unânime. (TJRS; AC 618175-03.2011.8.21.7000; Caxias do Sul; Nona Câmara Cível; Rel. Des. Tasso Caubi Soares Delabary; Julg. 29/02/2012; DJERS 05/03/2012)
48411130 - JUIZADO ESPECIAL. CONSUMIDOR. COBRANÇA DE DÍVIDA NO LOCAL DE TRABALHO DE FORMA VEXATÓRIA. VIOLAÇÃO A ATRIBUTO DA PERSONALIDADE. DANO MORAL CONFIGURADO. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO DO AUTOR DESERTO. PREPARO IRREGULAR (PAR. ÚNICO ART. 54). PRESSUPOSTO OBJETIVO DE ADMISSIBILIDADE. NEGADO SEGUIMENTO NO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. PRECLUSÃO. CONHECIDO O RECURSO DO RÉU E NÃO PROVIDO. 1. A relação entre as partes é consumerista. O recorrente presta serviço de cobrança, logo tem responsabilidade objetiva por qualquer dano causado ao consumidor, conforme disposto no artigo 14 do CDC. 2. O art. 42 da Lei n. 8.078/90 estabelece que na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento. Restou incontroverso que o credor por si, ou através de terceiros, efetuou inúmeras ligações telefônicas para o local de trabalho do devedor, por isso, é evidente a violação da dignidade do consumidor, se o fornecedor o expõe à situação vexatória. 3. Na fixação da indenização por danos morais, deve-se atentar para os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, observados os fins pedagógicos e compensatórios da indenização. Não se mostram excessivos os r$1.000,00 (mil reais) arbitrados, considerada a capacidade econômica do responsável civil. 4. A parte que desejar recorrer deverá recolher o valor do preparo na forma do parágrafo único do art. 54 da Lei n. 9.099/95, ou seja, as custas pela tramitação em primeiro grau, além do porte de remessa e retorno dos autos da segunda instância. Não há embasamento legal, para considerar satisfeita a exigência legal, o pagamento das custas iniciais pela parte adversa, que também recorreu, e a pretexto que bastaria o recolhimento do porte de remessa e retorno dos autos. Tal entendimento malfere não só o princípio da isonomia processual, como implicaria em locupletamento ilegítimo. Negado seguimento ao recurso no juízo de admissibilidade e preclusa a decisão, descabe qualquer juízo de valor sobre a irresignação. 5. Recurso do banco HSBC conhecido e não provido. (TJDF; Rec 2009.01.1.167033-5; Ac. 566.732; Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal; Rel. Juiz Luis Gustavo B. de Oliveira; DJDFTE 29/02/2012; Pág. 271)
95341266 - Dano moral Cobrança vexatória de dívida diante do estabelecimento da autora pessoa jurídica Lesão à idoneidade da empresa autora que se presume. Dano moral configurado Indenização fixada com moderação, em face da peculiaridade dos fatos Recurso, em parte, provido e prejudicado o adesivo. (TJSP; APL 9081569-26.2007.8.26.0000; Ac. 5674220; Botucatu; Vigésima Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Cunha Garcia; Julg. 30/01/2012; DJESP 29/02/2012)
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