Desde a última quinta-feira (10), o Brasil voltou a exigir visto de entrada para turistas provenientes dos Estados Unidos, Canadá e Austrália — uma decisão que reacende debates no setor de turismo nacional. Para a Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA) e para o Sindicato Empresarial de Hospedagem e Alimentação de Varginha (SEHAV), a medida representa um retrocesso e pode afetar diretamente o fluxo de visitantes internacionais, prejudicando a economia do setor.
A isenção, que havia sido implementada em 2019, buscava impulsionar a vinda de estrangeiros desses países, facilitando o acesso ao Brasil como destino turístico. Agora, com a retomada da exigência de visto, a FBHA e SEHAV temem uma queda na competitividade do país em relação a outros destinos latino-americanos.
De acordo com o presidente da FBHA, Alexandre Sampaio, o momento exige estímulos ao turismo, e não barreiras. “A imposição de vistos a turistas de países emissores importantes como Estados Unidos, Canadá e Austrália pode ser um tiro no pé. Estamos indo na contramão de uma política global que visa a facilitação de viagens e o fortalecimento do setor de serviços”, afirmou.
Ainda segundo a entidade, os impactos negativos do decreto do Poder Executivo podem ser sentidos de forma imediata em áreas como hospedagem, alimentação, transporte e comércio local, especialmente em cidades cuja economia depende fortemente do turismo internacional.
Diante do fato, a federação propõe três caminhos para mitigar os efeitos da decisão:
- 1. Negociação bilateral com foco no turismo – estabelecer acordos diplomáticos que visem a reciprocidade facilitada, com processos de visto mais rápidos e acessíveis, especialmente para turistas com intenção comprovada de viagem de lazer ou negócios.
- 2. Criação de vistos eletrônicos simplificados – adotar sistemas digitais que agilizem o processo de solicitação, com menos burocracia, tempo de espera reduzido e taxas menores, tornando a entrada mais atrativa.
- 3. Campanhas internacionais de promoção turística – investir em campanhas nos mercados afetados para reforçar a imagem do Brasil como um destino desejável, seguro e acolhedor, compensando possíveis entraves criados pela exigência do visto.
Enquanto o setor turístico luta diariamente para se manter ativo, a FBHA defende que o momento exige políticas de estímulo, e não de restrição. Para a entidade, a retomada da obrigatoriedade do visto é mais um obstáculo num momento em que o país deveria estar apostando no turismo como motor de crescimento econômico e geração de empregos.
Para o presidente do SEHAV, André Yuki, a decisão é uma resposta ao aumento de tarifas imposto pelos Estados Unidos. “A exigência de vistos pode ser um obstáculo para o turismo brasileiro, que recebeu cerca de 700 mil turistas americanos no último ano, impactando setores como hotéis, restaurantes e lazer”, ressaltou.
Ainda de acordo com André Yuki, a taxa para solicitação do visto será de US$ 80,90 e os estrangeiros só poderão permanecer no Brasil por até 90 dias. “A medida coloca o Brasil em desvantagem na competição por turistas com países da América Latina que não exigem vistos. Muitos criticam a mistura de questões tarifárias com a obrigatoriedade do visto, destacando os prejuízos ao setor turístico nacional”, concluiu.
Decisão pode afetar o turismo em Minas Gerais
A volta da exigência de visto acende um alerta entre representantes do setor turístico em Minas Gerais. Embora o impacto imediato deva ser pequeno, especialmente no turismo corporativo, lideranças da hotelaria e das agências de viagem veem a medida com preocupação – principalmente em relação ao turismo de lazer.
“Qualquer tipo de burocracia para viajar tende a impactar na demanda por um destino. Com certeza, num primeiro momento, a exigência de visto pode gerar uma redução no fluxo de turistas desses três países, inclusive em Minas Gerais, principalmente no segmento de lazer”, afirmou o consultor da MVS Consultoria Hoteleira, Maarten van Sluys.
O vice-presidente da Associação Brasileira das Agências de Viagens em Minas Gerais (Abav-MG), Alexandre Brandão, também demonstra preocupação com os efeitos da medida sobre o turismo no estado. “Só nos prejudica. Na prática, a exigência do visto pode afetar sim o turismo em Minas, pois esses países estão entre os que mais enviam turistas estrangeiros ao Brasil”, ressaltou.
Dados do Painel de Chegadas de Turistas Internacionais ao Brasil, da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur), mostram que, em 2024, o Brasil recebeu cerca de 6,7 milhões de turistas estrangeiros. Desses, 728.537 vieram dos Estados Unidos, 96.540 do Canadá e 52.888 da Austrália. Do total de visitantes internacionais, pouco mais de 43 mil entraram no país por Minas Gerais.
“Minas já não é um estado com forte entrada de turistas internacionais. Qualquer entrave ou obstáculo à vinda de estrangeiros pode impactar. A exigência de visto pode levá-los a repensar e optar por destinos com entrada mais facilitada”, explicou Brandão.
De acordo com Van Sluys, o turismo de negócios deve ser menos afetado, já que esse tipo de viajante vem ao país com objetivos profissionais e compromissos previamente definidos. O consultor hoteleiro destaca que empresas canadenses, australianas e americanas têm forte presença em Minas, especialmente no setor de mineração.
“Temos várias empresas desses países atuando em Minas Gerais por conta das mineradoras. O fluxo desse público é significativo no estado, muito mais do que o de lazer. Hoje, o turista de lazer desses três países não representa nem 4% da demanda hoteleira em Minas”, pontuou.
Mesmo estimando um impacto reduzido, o setor hoteleiro se posiciona contra a exigência dos vistos. “A hotelaria, da qual sou consultor, vê com insatisfação essa exigência, pois é um fator que pode causar um efeito negativo, mesmo que momentâneo, especialmente no turismo de lazer”, afirmou Van Sluys.
Apesar de a decisão já estar em vigor, representantes do setor turístico ainda buscam formas de pressionar por uma revisão. “A hotelaria está engajada para tentar conseguir uma nova suspensão da exigência ou ao menos a ampliação dos prazos”, contou Van Sluys.
Segundo Alexandre Brandão, a Abav-MG também tem atuado junto a parlamentares, mas até o momento sem retorno. “Estamos tentando o que é possível. O G20 [grupo das 20 maiores empresas do setor] está mobilizado. Já estamos há duas semanas trabalhando fortemente contra isso, mas infelizmente não tivemos avanços até agora”, lamentou.
Minas Gerais tem se destacado como um dos principais destinos turísticos do Brasil, impulsionado por sua rica herança histórica, pela gastronomia reconhecida internacionalmente e por paisagens naturais diversas. Cidades como Ouro Preto, Tiradentes e Diamantina atraem turistas com seu patrimônio colonial preservado. Regiões como a Serra da Canastra e o Circuito das Águas vêm se consolidando como polos de ecoturismo e turismo de bem-estar.
“O que precisamos, de fato, é fortalecer o marketing das nossas belezas e características para atrair mais visitantes estrangeiros. Hoje, nosso turismo ainda é majoritariamente regional, estadual e interestadual, com baixa participação internacional”, concluiu Van Sluys.