A pesquisadora da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) Wânia dos Santos Neves acompanhou o processo de fabricação de duas cachaçarias no município de Piranga, na Zona da Mata mineira. O objetivo foi identificar e descrever a adoção de técnicas para reduzir os impactos ambientais negativos e aumentar a sustentabilidade na produção sem interferir na qualidade do produto.
“Depois de visitar a Fazenda Boa Vista, onde é produzida a Cachaça Vale do Piranga, e de ter contato também com o produtor da Cachaça Pirapetinga, Tancredo Furtado, percebi que as praticas adotadas vão de encontro a um dos pilares da agroecologia, que é a sustentabilidade. Achei que seria interessante uma parceria e a divulgação dessas práticas para outros produtores, mostrando que além da melhoria ambiental e da obtenção de um produto com alto valor agregado, é possível reduzir os custos com a reutilização de resíduos em substituição, por exemplo, aos adubos no canavial”, explica Wânia Neves, que integra o grupo de Pesquisa em Agroecologia da Epamig, instituição vinculada à Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa).
As práticas adotadas devem valorizar o uso eficiente e a preservação dos recursos naturais, a melhoria da qualidade do solo, o aumento da biodiversidade, a utilização de práticas agroecológicas para o manejo de pragas, doenças e plantas daninhas e o uso de material propagativo de qualidade e de boa procedência. No caso das duas propriedades acompanhadas inclui ainda o aproveitamento de vários subprodutos.
“A água potável é advinda de fontes naturais das próprias fazendas, regulamentadas pelo órgão responsável (IGAM); a água de resfriamento da cachaça é reutilizada; toda sobra de material de produção também: o bagaço, para fazer o fogo da caldeira, e a pressão do vapor para o aquecimento do alambique na destilação da cachaça, na higienização de equipamentos e na padronização dos produtos; o vinhoto (subproduto da destilação), as águas de lavagens de equipamentos e as cinzas do bagaço queimado, são utilizados nos canaviais”, descreve a pesquisadora.
O trabalho foi registrado no capítulo “Cachaça Orgânica e Sustentabilidade: experiências, perspectivas e desafios”, que faz parte do volume 4 do livro eletrônico “Agroecologia: métodos e técnicas para uma agricultura sustentável”, disponível para download gratuito no site da Editora Científica.
Wânia Neves informa que uma circular técnica sobre o tema está em fase de elaboração e, assim como o artigo, vai descrever atividades e práticas sustentáveis no processo produtivo, trazer considerações sobre o processo de certificação de conformidade orgânica e listar os desafios e as dificuldades encontradas na cadeia produtiva da cachaça orgânica e do processo tradicional sustentável. “Estamos conversando sobre uma parceria para realização de cursos que incluem práticas sustentáveis na agricultura e visitas às propriedades para que os interessados vejam na prática como é realizado o processo de produção”, acrescenta.
Práticas sustentáveis no cultivo da cana-de-açúcar
Os produtores Sérgio Maciel e Tancredo Furtado participaram da elaboração do artigo, compartilhando experiências e as rotinas das propriedades. “Após retornar dos meus estudos e de uma passagem profissional pela Embrapa em Coronel Pacheco, passei a trabalhar na fazenda com gado de leite. Comecei a ajudar meu pai que produzia cachaça desde 1975. Percebi que havia pouca literatura sobre o tema e propus implementarmos aos poucos os princípios de sustentabilidade que aprendi na faculdade. Fiz cursos, conheci outras propriedades na região, e há cinco anos assumi a gestão do alambique. Hoje me dedico integralmente a isso”, conta Sérgio Maciel, produtor da Cachaça Vale do Piranga.
Ele acrescenta que sua produção não é certificada como orgânica. “Ainda faltam alguns itens e recursos, mas eu vou chegar lá. Eu faço tudo que posso para aproveitar 100% do que temos na propriedade e evitar danos ao meio ambiente. Quero investir em energia fotovoltaica, para compensar o consumo de energia elétrica. Outra iniciativa é a compensação da madeira que usamos no envelhecimento, por meio do plantio e da produção de mudas de umburana para a utilização própria e para doação a outros produtores, via associação”, completa.
Tancredo Furtado iniciou-se na atividade há cinco anos, com a intenção de produzir cachaça orgânica para exportar para o Canadá. Antes de construir seu próprio alambique, há cerca de três anos, produzia em parceria com Sérgio Maciel. Atualmente, seu alambique é registrado como totalmente orgânico, em conformidade com as normas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e com as exigências dos institutos estaduais de Agropecuária.
Dentre os procedimentos adotados, o produtor cita práticas para manutenção, aumento ou incremento da biodiversidade; manejo de resíduos; manejo fitossanitário; práticas para o manejo e conservação do solo e da água; aplicação de boas práticas agrícolas e de produção; utilização de material orgânico, como sobras do bagaço de cana, para produção de compostagem; manejo para produção de material propagativo ou aquisição de origem comprovada; utilização de adubação orgânica ou compostagem na área de cultivo da cana-de-açúcar.