Uma eventual greve dos caminhoneiros, marcada para começar na próxima semana, seria uma ameaça ao escoamento da safra de soja e milho do Brasil. Além disso, pode soar como um “tiro no pé” para os motoristas, por serem grandes as chances de não conseguirem o apoio da sociedade com uma paralisação em meio à pandemia da Covid-19, disseram representantes do setor agrícola.
Desde a última greve de caminhoneiros autônomos, em 2018, diversas companhias adquiriram frotas particulares para o transporte de produtos agropecuários, o que reduz os prejuízos de uma nova paralisação, mas ainda assim o efeito seria negativo.
“Uma paralisação no momento em que está se iniciando a colheita da safra de soja é um momento delicado para o agronegócio. Prejudica o escoamento”, disse o diretor executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Eduardo Daher.
Com o atraso no plantio da safra 2020/21 causado pela seca, poucas áreas de soja e milho começaram a ser colhidas em janeiro, fazendo com que o pico da colheita e do transporte para os portos, para o cumprimento de contratos de exportação, ocorra no mês que vem –período que coincide com a possível greve.
Daher afirmou que a entidade ainda não foi chamada para debates no âmbito do governo, mas conta com o apoio dos ministérios da Agricultura e Infraestrutura para que a greve não tenha grandes proporções. “Estou longe de acreditar que no meio de uma pandemia vão tentar obstruir o transporte”, disse.
A possibilidade de uma greve vinha sendo aventada neste mês devido a reivindicações relacionadas à chamada “tabela do frete” e aos preços dos combustíveis.
Na terça-feira (26/01), uma das principais associações do setor, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL), anunciou apoio ao protesto, no mesmo dia em que a Petrobras divulgou a primeira alta no diesel do ano.
Nesta quarta-feira (27/01), o presidente Jair Bolsonaro apelou aos caminhoneiros para que não levem adiante a greve do setor e afirmou que o governo estuda alternativas para reduzir o Pis/Cofins para reduzir o preço do diesel, mas que a solução não é fácil.
“Nesse momento de pandemia, se atrever a criar uma obstrução da logística, seja no transporte rodoviário ou da população, é tomar um risco absurdo de bloquear transporte de vacinas, trânsito de ambulâncias e hospitais, e a pergunta é se vão se responsabilizar pelo agravamento da pandemia”, questionou o diretor da Abag.
Para o diretor-executivo do Movimento Pró-Logística, ligado à associação de produtores de soja e milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), Edeon Vaz Ferreira, a greve seria um “tiro no pé que o caminhoneiro faria”, pois o movimento não terá o apoio nem do produtor nem na sociedade, diferentemente de 2018.
“Nós somos contra greve, por questão da avaliação da situação que temos no país. Acabei de receber uma comunicação de grande associação de Mato Grosso de empresas transportadores dizendo que não vão paralisar”, afirmou.
Ele lembrou que, em 2018, o produtor rural deu apoio à paralisação visando também redução do preço do óleo diesel, importante insumo do setor. No entanto, o segmento chegou à conclusão que não houve um impacto efetivo.
“Houve redução temporariamente, (mas) a própria Petrobras (tem) o critério deles de se fazer o ajuste de preços pelo mercado internacional do petróleo, não tem outro jeito”, afirmou, ao destacar que as cotações fazem parte do andamento do mercado.
“Não tem como resolver o problema de um setor, o problema é geral na economia, o produtor está passando apertado, com o aumento de custo. A economia só vai mudar no momento em que tiver 100% da população vacinada, tiver afastado o problema do coronavírus, a economia reaquece e muda tudo”, acrescentou.
Ferreira também concordou que um protesto seria ruim do ponto de vista do escoamento da safra, mas disse acreditar que as autoridades, como a Polícia Rodoviária Federal, não deverão permitir bloqueios de estradas, como ocorreram em 2018.
Ele disse ainda que seria um equívoco para os caminhoneiros que transportam produtos agrícolas realizar uma greve no início da colheita, momento em que os preços do frete estão mais interessantes para a categoria.
O diretor da Abag ainda lembrou que também há um problema jurídico, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) “tem em suas mãos” desde o final do governo do ex-presidente Michel Temer uma abordagem que contesta a constitucionalidade da tabela de fretes criada em 2018, “um julgamento que não anda”.