Coluna | Periscópio
Wender Reis
Pedagogo e Orientador Social, curioso observador de tudo que causa espanto no mundo.
Fim de Ano Odebrechtiano
21/12/2016

Das várias particularidades de escrever uma coluna, uma delas é escrever buscando ter sempre em vista os sujeitos para os quais escrevo. A quem endereço o texto? Considerando que a matéria prima das minhas reflexões se constitui de incômodos, em 2016 não faltaram pedras no caminho para guardar, construir um castelo ou dinamitá-las. Pensando que este mesmo ano possa ter cascalhado o caminho de muita gente, pretensiosamente hoje escrevo para qualquer um, ou seja, todo mundo. Compartilho com vocês um incômodo de fim de ano. 

Não é de hoje que tem faltado tapete para esconder nossa sujeira cultural, social, econômica e etc. Da nossa tragédia moral que fica mais evidente a cada dia, ao menos uma coisa boa temos que reconhecer: nossa hipocrisia nunca foi tão escancarada. E mesmo quem não a reconheça, nunca foi tão contrariado pelos fatos. Fato é, por exemplo, que a nação aplaudiu a destituição de uma presidente em nome da luta anticorrupção, para em seguida aceitar seu vice, que é líder do partido que é a fonte do DNA da indecência e da desvirtuação política no Brasil. 

Mas enfim, chegou o natal, vamos esquecer um pouco que sobreviver está difícil e “vamo-se-amar”. O que mais me chama atenção sobre o Natal é que a maioria das pessoas não gostam.  Me coloco no lugar de alguns amigos para imaginar o horror de estar em uma reunião com a parentada ex-governista que fica resmungando “golpe”, “Aécio cheirador”, “Globo manipuladora” e por aí vai. E a outra ala reacionária vociferando “petralhas”, “nunca houve tanta corrupção”, “comunistas de merda”. No caso de minha família e a de minha noiva isso ocorre de maneira mais sutil e menos problemática. Portanto me incomoda mais o clima natalino em si, talvez uma certa ranzinzice, admito, mas fazer o quê? Dentre as coisas mais horrorosas do natal, para mim, estão as campanhas de solidariedade e o discurso que lhes envolve. O comércio, que por sua lógica está mais para bandido que mocinho, incentiva crianças carentes a escreverem cartas, das quais, importantíssimo que se diga, nem todas serão respondidas. Portanto sempre que estou a ponto de ceder ao marketing, que usa pedidos comoventes, me lembro das inúmeras outras crianças que jamais irão receber o que pediram. Daí me recordo que onde há competição não há solidariedade. Comercio é mercado, mercado é concorrência. Conclua por si mesmo. Ao menos no comércio é assim, pois o empresário brasileiro não compete. Suborna o Estado para tirar o competidor do mercado. É a lógica odebrechtiana.

E por falar nisso, o dramaturgo Bertolt Brecht achava um despropósito que o ator fosse fundo em seu papel. Propôs uma distância colossal entre ator e personagem, que ficou conhecida como "distanciamento brechtiano". Pois bem, o que o Brecht tem a ver com a Odebrecht? Só os fonemas. Com nossa política odebrechtiana, neologismo usado para definir qualquer prática relativa à corrupção, alguém da grande rede, comparou o distanciamento brechtiano a estratégia usada por nossa empreiteira mor para (tentar) se distanciar das provas com seu sistema de pseudônimos e etc, ou seja, na tentativa de se manter longe do personagem. 

Voltando ao fim de ano, passo de Bertold Brecht para Constantin Stanislavski, outro grande mestre da dramaturgia. Este segundo desenvolveu um método cujo o princípio consiste no ator não sair do personagem, a grosso modo, na técnica segundo a qual o ator deve procurar reproduzir em si mesmo os sentimentos e emoções de seus personagens. E em tempos de delações premiadas, revelações da verdade e etc e etc, que tal nos distanciarmos um pouco do nosso personagem hipócrita de todo dia e por outro lado, que tal encarnarmos de fato esse personagem solidário e fraterno de final de ano?

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